Dizer que a Justiça brasileira é lenta já se tornou lugar comum, tanto para os profissionais de Direito que atuam no Brasil, quanto para a população em geral, que se sente desmotivada a apelar ao sistema judiciário do país por conta da burocracia e da morosidade. Para se ter uma ideia, tramitaram no Judiciário brasileiro em 2022 nada menos do que 81,4 milhões processos. Desconsideradas os 17,7 milhões processos suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, e os que estavam aguardando alguma situação jurídica futura, ao fim do ano ainda restavam 63 milhões de ações judiciais em tramitação.

O tamanho do mercado jurídico brasileiro, o alto volume de processos e o percentual cada vez maior de ações judiciais que ingressam na Justiça por meio digital cria uma demanda por auxílio da tecnologia para otimizar e acelerar procedimentos cada vez mais complexos. Não à toa, a cada dia mais empresas e órgãos públicos buscam a ajuda de startups voltadas para o mercado jurídico para agilizar trâmites que antigamente duravam meses ou anos e, com a ajuda da tecnologia, hoje podem levar muito menos tempo.

É dentro desse cenário que, nos últimos anos, o Brasil se tornou terreno fértil para o crescimento do número de startups que desenvolvem soluções tecnológicas voltadas para setor jurídico. Mas afinal, o que exatamente são as legaltechs e lawtechs? Qual a diferença entre uma e outra? Como elas podem ajudar os profissionais de Direito? Que impactos elas causam no mercado jurídico?

Legaltech é a abreviação de Legal Technology (Tecnologia Jurídica) e lawtech de Law e Technology (Tecnologia para Advocacia/Lei). Na prática, essas startups desenvolvem soluções tecnológicas pensadas para diversos propósitos como, por exemplo, facilitar a rotina dos advogados e aprimorar os trâmites jurídicos visando o aumento da produtividade, a eficiência de processos e a otimização da rotina; conectar cidadãos ao mercado jurídico de maneira mais simples; e transformar a forma de atuação do poder Judiciário, entre outros.

No Brasil, de maneira geral os dois termos acabam sendo utilizados com o mesmo propósito de denominar startups que fazem uso de tecnologia para criar soluções que melhorem a eficiência do setor jurídico. Porém, tecnicamente há diferenças entre eles. As lawtechs criam soluções disruptivas em forma de produtos ou serviços que facilitam procedimentos jurídicos para viabilizar o acesso à justiça e informações jurídicas de forma ampla, tanto para o cidadão comum quanto para o profissional jurídico. Já as legaltechs criam soluções voltadas para melhorar a produtividade de quem já opera na área jurídica, buscando encontrar soluções tecnológicas para advogados e escritórios de advocacia automatizarem suas operações e procedimentos internos. Ou seja, as legaltechs oferecem soluções destinadas ao próprio mercado.

Tanto as legaltechs quanto as lawtechs, cada uma em seu nicho de mercado, são especializadas em criar soluções exatamente com o intuito de agilizar o processo burocrático e todos os tipos de problemas e desafios jurídicos em diversas esferas. Alguns exemplos são os softwares de gestão para advogados e escritórios de advocacia, os serviços que se baseiam em dados para facilitar acordos judiciais, as plataformas que promovem o encontro do cliente com o advogado mais qualificado para seu caso, as ferramentas para buscas e andamentos de processos, softwares para análises estatísticas de jurimetria e os sistemas que fazem uso de inteligência artificial para o desenvolvimento de contratos e outros documentos.

As soluções citadas acima são apenas algumas das muitas possibilidades de ferramentas tecnológicas para solução de problemas no mercado jurídico. Não à toa, as legaltechs e lawtechs estão conquistando cada vez mais espaço no dia a dia de tribunais, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas e já têm até mesmo sua própria associação. A AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs) reúne mais de 500 associados entre empresas, escritórios e autônomos que atuam em áreas como automação de documentos, compliance (políticas internas da empresa), monitoramento e gestão de documentos cartorários.

Só no ano passado, a ABL2 registrou um aumento de 16% no número de associados em relação a 2021. Esse panorama evidencia que as startups voltadas para o mercado jurídico têm conquistado a confiança do setor, oferecendo soluções capazes de automatizar tarefas repetitivas e aperfeiçoar as atividades operacionais, permitindo que os profissionais deixem de se preocupar com tarefas que podem ser automatizadas para melhorar a precisão dos serviços, gerando economia de tempo e dinheiro para todos os envolvidos. De maneira estratégica, a tecnologia pode inclusive ser usada por essas startups para contribuir para uma comunicação facilitada entre advogados e clientes, permitindo que as tomadas de decisão sejam mais assertivas durante o processo.

Resumindo, ainda há um longo caminho a ser percorrido até que as lawtechs e legaltechs de fato transformem e modernizem completamente o mercado jurídico brasileiro. Porém, o boom dessas startups jurídico já começou a ajudar os profissionais de Direito a focarem no trabalho para o qual estudaram de fato, graças à otimização do tempo gasto com tarefas burocráticas e repetitivas. As tecnologias substituem boa parte do trabalho manual e, consequentemente, permitem que os advogados resgatem o relacionamento com cliente como o centro do processo jurídico.

Com tantos avanços e benefícios proporcionados pelo crescimento do número e da diversidade de lawtechs e legaltechs no Brasil, acredito que o setor jurídico deve contar uma expansão e consolidação do mercado de startups jurídicas para os próximos anos. Afinal, como já destacamos em outros textos por aqui, tecnologia e inovação são fundamentais para a renovação do exercício da advocacia no Brasil e é imprescindível que entendamos as vantagens que as tecnologias oferecem para impulsionar o Direito como negócio e para que o mercado jurídico como um todo se torne mais produtivo e eficaz.